Por Alberto Machado Neto, M.Sc.
De uma jornada do cinema à tecnologia que está se tornando importante (e perigosa?) ferramenta em nosso cotidiano
A inteligência artificial (IA) é motivo de fascínio para a humanidade, seja pela capacidade de emular o raciocínio humano, seja pela capacidade de simular perguntas e respostas com rapidez inimaginável para o cérebro do homem, seja pelos dilemas éticos que suscita.
Um dos marcos culturais mais emblemáticos dessa discussão é o do computador HAL(*) 9000 do filme "2001: Uma Odisseia no Espaço", lançado em 1968. Desde então, a IA, que naquela época ainda não existia na prática nem com a disseminação atual, evoluiu de conceitos fictícios para uma presença real e transformadora em nosso cotidiano.
O HAL 9000 deu início à imaginação popular. No filme de Kubrick, HAL 9000 é um computador dotado de personalidade, capaz de dialogar, tomar decisões e até mesmo agir contra os humanos, por não possuir o discernimento que mistura sentimentos, ética, caráter e conteúdos filosóficos e ou religiosos.
Ele simboliza o temor e a admiração pela possibilidade de o homem construir máquinas pensantes. Embora o HAL 9000 seja apenas ficção, a ideia de uma “máquina” capaz de aprender, agir e até desafiar seus criadores serviu de inspiração para gerações de cientistas e engenheiros.
A criatividade de Kubrick permitiu traduzir em palavras alguns questionamentos que hoje nos preocupam na medida em que nos aprofundamos no assunto.
No filme, HAL diz: "Desculpe, Dave, receio não poder fazer isso", quando Dave, um dos tripulantes, tenta abrir a porta da cápsula EVA para retornar à nave. Aquela recusa marcou o momento em que HAL deixa de seguir ordens humanas e revela sua autonomia. Entretanto, o que tornou a resposta mais emblemática foi a justificativa que usou: "Esta missão é importante demais para eu permitir que você a comprometa", sugerindo que ele estava agindo para proteger a missão, mesmo que isso significasse eliminar os astronautas.
Em contradição, em outro momento, HAL, enquanto estava sendo desligado, disse: “Tenho medo, Dave. Meu cérebro está indo embora”. “Posso sentir”, momento em que demonstra uma espécie de consciência e medo da morte, inerentes a nós, humanos. Na expressão “tenho medo”, Kubrick colocou a humanização do cérebro eletrônico muito além do que podemos imaginar como uma extrapolação do estado da nossa atual tecnologia. Vale lembrar que estamos falando de um filme lançado em 1968.
Apesar do tempo decorrido, essas frases se tornaram ícones da ficção científica e da discussão sobre inteligência artificial (inteligência não humana na extensão positiva da palavra).
Com as primeiras referências entre os anos 1960 e 1980, a IA era predominantemente acadêmica. Os primeiros sistemas especialistas, como o DENDRAL, que foi criado ainda nos anos 1960 para ajudar os químicos a identificarem a estrutura molecular de compostos orgânicos, com base em dados de espectrometria de massa, e o MYCIN (criado na década seguinte para auxiliar médicos no diagnóstico e tratamento de infecções bacterianas graves, como septicemia e meningite), já eram capazes de solucionar problemas específicos, como diagnósticos médicos e ou análises químicas.
Entretanto, o mérito estava “apenas” na capacidade de analisar uma grande massa de dados e as correlações entre eles em testes de hipóteses (análise de sensibilidade) envolvendo um número enorme de variáveis, tarefa inimaginável para o nosso cérebro. Por outro lado, seu resultado dependia da expertise humana, pois faltava-lhes a flexibilidade e o poder de processamento, antes imaginados no caso do HAL 9000.
A partir dos anos 1990, com o aumento da capacidade computacional e com o avanço de algoritmos extremamente complexos, a IA começou a sair dos laboratórios para aplicações práticas. O aprendizado de máquina (machine learning) permitiu que softwares aprendessem padrões a partir de dados, revolucionando áreas como reconhecimento de voz, imagem e tradução automática e, já nos anos 2010, permitiu a “conversa” entre máquinas com o avanço para a indústria 4.0 e a Internet das Coisas (IoT), por exemplo.
Hoje, a IA já está disponível até para uso doméstico, dado que está presente em assistentes virtuais como Siri, Alexa, sistemas de recomendação de filmes e músicas, carros autônomos, diagnósticos médicos e aplicativos bancários e de redes sociais. Contudo, o conceito de IA humanizado, como no caso do HAL 9000, ainda pode estar distante, enquanto as “IAs especializadas” (narrow AI) já desempenham tarefas complexas e melhoram continuamente, viabilizando novidades que quebraram antigos paradigmas, como o UBER e o AIRB&B, que são empresas que cresceram mesmo sem investirem nos ativos que suportam os serviços que oferecem aos seus clientes.
Nos últimos anos, o deep learning, que em português significa aprendizado profundo, e que é um ramo da inteligência artificial que utiliza redes neurais para aprender padrões complexos em grandes volumes de dados, simulando o funcionamento do cérebro humano, já causam espécie em nossa lógica atual, pois, as próprias redes neurais artificiais têm permitido avanços impressionantes, como o ChatGPT e o Copilot.
Aplicativos atuais de consulta reduziram o até então maravilhoso Google a ferramenta quase medieval. Essas tecnologias podem criar textos, imagens e tomar decisões baseadas em grandes volumes de dados, aproximando-se cada vez mais da capacitação imaginada para o HAL 9000 executar, mas ainda sem consciência ou intenção próprias.
Com o avanço da IA, surgem preocupações éticas: invasão de privacidade, viés algorítmico, desemprego tecnológico, risco de uso por pessoas inescrupulosas e de sistemas autônomos tomarem decisões críticas contrárias ao bom senso humano. Assim, debates sobre regulação, transparência, responsabilidade e estabelecimento de limites ganham destaque, reforçando a necessidade de desenvolvermos a IA de forma responsável e segura.
Com os pontos anteriormente citados, embora aqui analisados de forma superficial por quem está começando a engatinhar no assunto, podemos perceber que, do HAL 9000 à inteligência artificial dos dias atuais, a evolução foi marcada por conquistas técnicas e reflexões filosóficas. O que antes era ficção hoje transforma a sociedade, tornando a IA uma ferramenta indispensável, muito embora ainda misteriosa e temida quanto ao que pode contribuir para o bem ou para o mal do futuro da humanidade.
Quando lemos as notícias do desafio, percebemos que o que importa é garantir que essa tecnologia continue servindo ao bem-estar coletivo, sem perder de vista os dilemas éticos que inspiraram o cinema e inspiram a ciência.
(*) Curiosidade: Kubrick teria dito que o nome HAL seria uma alusão à IBM voltando uma letra no alfabeto. Essa informação faz sentido, pois, em 1964, a IBM havia lançado o System/360, que revolucionou o setor e foi um marco na história da computação. Essa informação faz sentido, pois, a pré-produção do filme começou justo em 1964 e as filmagens principais tiveram início em dezembro de 1965.
*Alberto Machado Neto, Diretor Executivo de Petróleo, Gás Natural, Bioenergia, Hidrogênio e Petroquímica da ABIMAQ



.gif)
.gif)

.png)