Consumo do café enfrenta alta de preços, mas grãos
especiais ganham protagonismo e apontam novos caminhos para o setor
O Dia Mundial do Café, celebrado em 14 de abril, marca não apenas
a paixão global por essa bebida, mas também a relevância econômica e cultural
do grão em diversos países — especialmente no Brasil. Por aqui, o café é mais
do que uma tradição: é parte da identidade nacional.
Está presente em diferentes momentos do dia, é oferecido em
casas, escritórios, lojas e, claro, bares e restaurantes, consolidando-se como
um item essencial no setor de alimentação fora do lar.
Essa quase onipresença no cotidiano brasileiro é refletida
também nos números. O Brasil lidera o consumo per capita de café na América do
Sul e representa 82,5% do mercado consumidor da região, de acordo com relatório
da Organização Internacional do Café (OIC), que analisou o biênio 2022/2023.
O país também continua sendo o maior produtor e exportador
do grão, mantendo sua posição de protagonista no cenário internacional mesmo
diante de oscilações na produção global. Enquanto África, Ásia e Oceania
enfrentaram queda na produção, a alta brasileira puxou o crescimento da oferta
no continente americano.
Mas a força cultural e comercial do café não está imune a
pressões. O setor de bares e restaurantes, que lida com margens apertadas e
aumento constante dos custos, tem enfrentado desafios para manter a oferta da
bebida com qualidade e preços acessíveis.
De acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA), divulgado neste mês pelo IBGE, o café moído acumulou inflação de 77,78%
nos últimos 12 meses até março de 2025, bem acima da inflação geral, que
foi de 5,48% no mesmo período. A alta impacta diretamente os negócios do
setor de alimentação fora do lar, onde o café é uma das ofertas mais populares.
Dados
recentes da Abrasel revelam que 32% dos estabelecimentos não conseguiram
repassar os reajustes de preços do cardápio ao consumidor no último ano,
enquanto 22% só o fizeram abaixo da inflação.
Essa dificuldade de repasse evidencia o dilema enfrentado
pelos empreendedores: como continuar oferecendo um item tão simbólico sem
perder competitividade?
Consumo se transforma e cafés especiais ganham espaço
Apesar do cenário de dificuldade, novas possibilidades se
apresentam. Um dos segmentos que mais se destacam é o de cafés especiais —
categoria composta por grãos de alta qualidade que recebem notas acima de 80 em
uma escala internacional da Specialty Coffee Association, que avalia dez
critérios, entre eles sabor, aroma, acidez e ausência de defeitos.
Nos últimos anos, a procura por cafés especiais aumentou de
forma significativa. Para Lucas Parizzi, sócio-fundador da marca mineira A Pão
de Queijaria, o crescimento do interesse é visível tanto no comportamento dos
consumidores quanto na forma como o assunto passou a circular em novos espaços.
“O público tem demonstrado mais interesse e curiosidade
pelos cafés especiais. A gente também observa nas redes sociais cada vez mais
influenciadores falando sobre o tema”, afirma Parizzi. Segundo ele, essa nova
valorização do produto impulsiona o setor a se profissionalizar ainda mais e a
investir em qualidade, experiência e diferenciação.
Mas esse movimento também exige cautela, especialmente
diante da instabilidade de preços. A valorização do arábica — tipo de grão que
domina o segmento de especiais — tem impactado os custos. Com isso,
empreendedores buscam saídas criativas e viáveis.
“É natural que, quando um setor tem algum tipo de crise ou
uma alta
significativa de preços, como é o caso, ele tente se reinventar e buscar se
adaptar. Eu não sei apontar qual o caminho que a indústria do café vai traçar
agora, mas uma das possibilidades que eu vejo é o aumento no consumo de grãos
conilon, que têm complexidade menor do que os cafés arábica e, em geral, custam
menos”, analisa Parizzi.
Margens apertadas exigem criatividade
A valorização do café especial tem impulsionado também o
aumento do número de cafeterias e casas especializadas, o que amplia a
competitividade e reforça a necessidade de diferenciação no mercado.
Parizzi mantém uma visão otimista sobre esse crescimento:
“Acredito que há mais fatores positivos do que negativos. De fato, com o
aumento do número de casas trabalhando com cafés especiais, a gente precisa se
posicionar para ter um destaque, mas, por outro lado, eu acho que se colabora
muito para fomentar o setor.”
Esse posicionamento passa por estratégias como o uso de blends
— misturas planejadas de diferentes tipos de grãos — e pela criação de drinques
à base de café, que ajudam a aumentar a margem de lucro e oferecem novas
experiências ao consumidor.
“Como qualquer negócio, a gente precisa se posicionar de
forma distinta, e o essencial é continuar oferecendo uma experiência diferente
das outras”, defende o empresário. “Na A Pão de Queijaria, a gente se posiciona
frente à concorrência oferecendo uma experiência voltada para o universo do pão
de queijo. A gente coloca pão de queijo na salada, no sorvete, na sobremesa. A
nossa distinção vai por esse caminho, pela experiência que a gente oferece e
outras casas não.”
Empreendedores precisam adaptar modelo de negócio para
manter consumo
Neste Dia Mundial do Café, a data serve também como um
lembrete dos desafios enfrentados pelo setor. A bebida continua sendo popular
em bares, lanchonetes e restaurantes, e pode ser uma porta de entrada para
novos públicos, fidelização de clientes e aumento do tíquete médio.
Para que isso aconteça, no entanto, é preciso atenção à
formação de preços, à escolha dos fornecedores e ao perfil de consumo do
público. O momento exige ajustes estratégicos: avaliar a viabilidade de
produtos com maior valor agregado, adotar formatos criativos de apresentação da
bebida e buscar eficiência nas compras e no preparo.
O café segue como símbolo da hospitalidade brasileira, um
elo entre gerações e classes sociais. Do balcão das padarias às mesas das
cafeterias gourmet, continua a desempenhar um papel central na experiência
gastronômica. Mas, para que permaneça assim, os negócios do setor precisarão
unir tradição, inovação e gestão eficiente para transformar desafios em
oportunidades.